segunda-feira, 27 de junho de 2011 3 comentários

Ceder ou não?

No quarto, fez-se silêncio...
Era um ao outro se olhando,
Deitados, embora afastados,
Sentimentalmente apegados.
Palavras ausentes, e fitando
No olhar do outro: mistério.

A escolha: ceder ou não?
O orgulho diz: não!
O amor: Perdão.

Enquanto resistentes,
Palavras ausentes,
Olhares permanentes.
Mundos diferentes,
No momento, descontentes.

A escolha: ceder ou não?
O orgulho diz: não!
O amor: Perdão.

Depois o abraço: a afeição.
O beijo, o calor do corpo,
Juntos: a reconciliação.
Sem palavras, e o choro,
Aprendendo um com outro,
Enfim, liberaram perdão...

A escolha: ceder ou não?
O orgulho diz: não!
O amor: Perdão.
quarta-feira, 22 de junho de 2011 0 comentários

Na Praça do Salvador


Praça pequena e bem iluminada, posto policial, estacionamento privativo, ponto de ônibus, banheiros públicos, árvores frondosas e altas, flores diversas no jardim, quiosques ornamentados, duas crianças correndo em volta do banco de madeira, um mendigo procurando algo no chão, um casal encostado no orelhão, uma senhora esperando o ônibus, roda de amigos proseando, dois operários tomando pinga no Quiosque do Negão, uma mulher fumando cigarro, um jovenzinho passando com sua caixa de engraxate, era noite. Pensamentos desconexos avolumavam-se na mente. Ideias distintas e distantes demoravam de se evidenciarem. Eram muitas informações. Observara cuidadosamente tudo e todos ao seu redor e nenhuma iniciativa.
De repente...
Sentado em um dos bancos da Praça do Salvador, reinaugurada no início do mês, Alan Cortez, estudante de Direito, com seu caderno de anotações, não conseguia iniciar uma produção textual, até que um jovenzinho engraxate se aproximou. Propaganda pintada com letras desarranjadas na caixa de engraxate revelava a necessidade de escolarização do dono dela. Calça jeans surrada, chinelos de couro, camisa escolar com mangas rasgadas, fazendo batuque na caixa do ganha-pão, o engraxate pergunta-lhe:
- Ei chefia! Vamo dá um grau no pisante?
 Desconfiado, sente-se ameçado, repensa, desamedronta-se e aceita a proposta. “Não deve ser nada além do que um engraxate” – Pensou Alan consigo mesmo.
- Você acha que precisa de um “grau”?!
- Craro chefia! Vou deixa no capricho pro Sinhô, meu patrão!
Predispôs-se, ajoelhando  em cima dos chinelos, colocando a caixa entre os joelhos, levantando a bainha da calça do cliente, passando a flanela no sapato, reconheceu a marca do sapato social. “Que sapato maneiro! Queria um desses.” – Pensa e anseia o engraxate.
E assim, Alan, perpicaz, encontra um tema para a sua dissertação: “O canto dos excluídos”. Introduz - “Fazemos parte de uma sociedade que escuta, por mais que não queira, o canto dos excluídos. Estes estão por toda parte, fazem ecoar as instabilidades em que vivem, encarando os desafios de não ser levado à margem da sociedade” -  olha e reler a introdução, sente-se convencido. Enquanto o sapato nas mãos do engraxate recebia o trato devido, curiosamente Alan pergunta:
- Estuda?
- Não. Só trabaiu.
- Nunca estudou?
- Tava freqüentando a escola de noite, mas tive que larga!
- Por quê?
- Doutor, Pra quê estudar, se não tenho o que comer?
Alan silenciou. O olhar daquele menino era frio e decaído, e triste, olhar calado.
- Pronto doutor!
- Quanto foi?
- Me dá dois conto, então tá bom!
- Dou-lhe três contos pelo bom serviço.
Fechou a caixa, levantou-se, colocou-a no ombro, guardou o dinheiro, pensou o engraxate:
 – Para quê perguntar, se não vai mudar em nada na minha vida? Granfinos!
Levantou-se da cadeira, fechou o caderno de anotações, levou consigo aquele olhar calado, e triste, decaído, e frio se mergulha no mundo introspectivo do ser.
- Para que perguntei àquele jovem se estudava ou não? Vou eu dar jeito na vida dele? Pobre engraxate, miserável sistema excludente, humanidade desgraçada que se desumaniza mais e mais por falta de consciência coletiva para uma sociedade justa.
Em lados opostos caminham Alan e o engraxate. Opostos na forma de viver, na forma de sonhar, na forma de pensar, na forma de se formar diante das realdidades.
E, assim, aquela praça pequena e bem iluminada, aquele posto policial, o estacionamento privativo, o ponto de ônibus, aqueles banheiros públicos, aquelas árvores frondosas e altas, aquelas flores diversas no jardim, aqueles quiosques ornamentados, não eram como um cenário interpretado e vivido diferentemente por todos que o frequentavam?




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De Epitáfio Dias

Tentei fingir em palavras
Dor sentida: não-sentida
Intensidades e emoções da vida
Superficialmente em linhas escritas

do Poeta, a dor fingida,
Pessoa enquanto
Dizia, tentei fingir tanto,
sem sucesso, dor descompreendia.

Ah! Se eu sentisse aquela dor!
Escreveria em outra dimensão.
Mergulharia no mar bravio do coração,
Para que da dor escrevesse ao amor





Epitáfio Dias.
terça-feira, 21 de junho de 2011 0 comentários

Poesia, amor e rima

Pensando bem...
É que...
Aff... Deixa para lá!
Depois surge outra ideia.

Ah! Lembrei.
Pensando bem:
Poesia, amor e rima
Tudo combina!

Quer dizer...
Ai meu Deus,
Será que...
Poesia, amor e rima
Tudo combina?

Há poesia sem rima,
Mesmo assim combina.
Há amor sem rima,
Às vezes combina.
A rima sem rima
Certamente não Combina!

Conclusão:
Liberdade criativa para os três!
segunda-feira, 20 de junho de 2011 0 comentários

Um conto para Vovô


Café requentado com adoçante não fazia parte do cardápio de meu avô. O quente-frio, durante o dia, era reabastecido pelo menos duas vezes, um vício que o caracterizou como vovô café. Trajes finos à moda social, calça e camisa engomadinhas bem passadas, gravata de cor discreta, sapato social bico quadrado, relógio prata no braço direito, óculos de armação marrom escuro. Era assim seu perfil ao ir à igreja. Sério, recatado, modesto, observador, sorriso trancado, passos ligeiros, carregava sempre no braço esquerdo o paletó, caminhando no seu destino, rotina inalterável e padronizada, quem conseguiria se adaptar àquele estilo de vida? Marcas da lembrança eram identificadas nos contos corriqueiros em nossos diálogos, consequência das análises literárias do curso de Letras, pois eu discernia com cautela o discurso tanto no aspecto lingüístico-psicológico, como também social. Pedia-me, como sempre, um pouco do meu tempo para conversar, aliás, era mais do que um diálogo, era um ouvir diferente da minha parte, um falar peculiar da parte dele, carências mal resolvidas se desabrochando naquelas palavras sábias. Eu gostava, ponderava, criticava certos posicionamentos, ria, emocionava-me por dentro, mesmo sem evidências de lágrimas, impressionava-me com sua voz grave e afinada como um nato orador e exímio leitor das Escrituras Sagradas. Minhas visitas à casa de vovó não eram tão freqüentes após as demandas da vida que se priorizavam, mas o meu sentimento de saudades, juiz da minha consciência, latejava no meu coração. Por isso, dispunha-me a visitar aquela casinha, grande por dentro, cabiam todos da família, não por causa do espaço, mas o simples desejo de estarmos todos juntos. Vovô não se importava com a falta de conforto que o acometia em períodos sazonais: festas juninas, ou natalinas, ou as férias de início de ano. A memória pertinente dos momentos da minha infância me humaniza mais e mais.
Tempos atrás, ainda eu era mancebo, houve um dia no quintal da casa de vovó, sentado ao lado de vovô, juntos à mesa velha, quente-frio no chão, ao lado da cadeira dele, pernas cruzadas, tom sério, palavras ditas pautadamente, eu e ele. Era tardinha, o sol preparava-se para ocaso, na gaiola, cântico de pássaros, a cadelinha pepita deitada debaixo da mesa, uma cobertura de Eternit cobria boa parte do quintal, eu e ele. Zelador de um perfil cristão característico das tradicionais igrejas pentecostais, os mesmos trajes sociais, como de costume, porém, tais trajes mais simplórios usados apenas dentro de casa. Dialogou:
- Vou te ensinar a ler um versículo deste livro Sagrado que jamais se esquecerá.
O diálogo dele tinha uma sonoridade incrível, afinadíssima, sem gaguejos, clara, coesa. Cada palavra era expressa com vivacidade de certeza e um tom exagerado de seriedade. Eu, com 12 anos de idade, ouvia-o, respeitava atentamente, não entendia muita coisa, porém a impostação da voz dele me chamava muito atenção.
- Leia!
Soletrando, li: - “Je-sus dis-se-lhes: Eu so-u a Luz do mun-do, quem me se-gue não an-dará em tre-vas, mas anda-rá na luz da vi-da.”
Indaguei-me: - Luz, trevas? Eu hein?!
Explicou-me: - Você é órfão de pai, mas Deus é teu pai maior! Você terá uma vida na presença da Luz de nosso Senhor Jesus Cristo.
E, assim, falou de outros assuntos, que não me recordo. Entretanto, o que ficou no meu coração foi: “Eu sou a luz do mundo...!”
Fim de diálogo, subi, passei pela varanda e na frente de casa gritei aos ouvidos de meus colegas para retomar a brincadeira de bolinhas de gude.
À noite, já eram sete horas, tomei banho, vesti-me, vovô me chamou para acompanhá-lo à igreja. Fomos. No caminho, ele andava mais rápido que eu, e assim, apressava meus passos para ficar no mesmo ritmo que os dele. Ruas desertas sem um pé de gente, atalhos desconhecidos por mim, eu e ele andando. Disse-me:
- Está vendo aquele porte ali?
- Hum, hum...!
- Está apagado. Mas ao passarmos por debaixo dele, somos a luz do mundo e o acenderá!
Meu Deus! Eu não sei, mas até hoje me pergunto por que vovô tirou aquela ideia esquisita da cabeça. Vi o poste da lâmpada apagada, e quando menos espero, acendeu! Ele olhou para mim, riu e bradou com as mãos para cima: - Glória a Deus!
Eu fiquei assustado com aquela revelação precoce concretizada instantaneamente. E, assim, todas as vezes que passávamos pelo porte da lâmpada apagada se não acendesse na hora, ao regressarmos da igreja no momento que passávamos debaixo dele de novo, eu fica olhando para trás para ver se acendia, e acendia novamente. Ele olhava para mim e dava risadas. O engraçado não era o porte da lâmpada apagada, nem a profecia que ele falara, nem o reacender da lâmpada após nossa passagem, mas o lindo sorriso que dificilmente eu via no rosto dele por causa da vida dura, frustrada, amarga, desiludida, contada nos momento de diálogos que tínhamos. De sorriso trancado, naqueles momentos, destrancado por causa do valor de dar importância do simples fato de ouvi-lo, acreditar nele.
sexta-feira, 17 de junho de 2011 0 comentários

Pobre Flor no asfalto...

Brota flor neste chão sapecado
e asfaltado, e rígido por ser.
Exale seu cheiro misturado com betume,
Renasça no tempo com tua força
Como diferença na monotonia
                                                                [E floresça...]

Será mais uma vez pisada
Pelo destino dos homens
Que veem, mas não compreendem,
Que não sentem, mas mentem
Beleza machucada, após brotada,
 Esperança ceifada, pobre flor
                                                                 [no asfalto.]
quinta-feira, 16 de junho de 2011 2 comentários

Mãe




E assim, em ti, formava-me guardado.
Concebeste-me e me deste à vida.
Revelaste-me às dores de alegria sofrida
Teu ventre, Teu amor, Teu cuidado.

Em mim, não me tiveste moldado
Mas certeza tu tinhas de que eu seria
Uma parte tua em mim, do meu pai tinha
Outra parte, uma só carne, fui formado.

Teu ventre, teu amor, teu cuidado.
 Respeito-te, és abrigo meu
 E, de mim, não abriste mão

Conheces-me, quando choro em seu
Colo de alento com sincera devoção
Desde teu ventre, teu amor, teu cuidado.
quarta-feira, 15 de junho de 2011 0 comentários

Sobre o meu Tom.

Em papel branco
       Rabiscos de tom
Negro.
Desformam-se formas
       Dentro de mim.

Enquanto dizem:
    - Seu mundo não existe!
Grito:
    - Eu o faço acontecer!
Desenho-o em minha mente...
Biodiversificada de pensamentos.

Delíro:
     - Deixa-me viver devaneando!
Eu e o tom negro
      Em papel branco.

Jacivaldo de Oliveira
   
quinta-feira, 9 de junho de 2011 0 comentários

Recordação Contada

Um cordão amarrado numa lata de areia,
Meu carrinho diferente dos demais,
Brincadeira que tomava a tarde inteira
Minha infância, tempo que não volta mais.

Pouco dinheiro era muito em minha mão
Comprava doces, cocada, pipoca salgada,
Ainda sobrava troco, mesmo pouco tustão
Para guarda dentro da minha almofada.

Eu não gostava de sopa, mas adorava chicletes
Minha mãe me reclamava toda hora:
- Menino, cuidado pra não se encher de vermes!
Com o bolso cheio de chicletes, corria para fora.

Jogando futebol com Titó, amigo de infância,
Ai! Em vez da bola, chutei o chão!
Meu Deus! Chorei como criança,
Sem medo de passar humilhação.

Vivi, brinquei, chorei, baguncei,
Ah! Daquela infância, que saudades!
Corri, critiquei, cantei, vacilei,
Ah! Hoje entendo que eram outras realidades!
quarta-feira, 1 de junho de 2011 0 comentários

Indecisão


Antes de bater o sinal do primeiro horário, caminhando pelo calçadão da área interna do colégio, aquele rapaz pensara como havia perdido a chance de dizer algo valioso. Não era nem a notícia do salário do mês que tanto importava para relatar uma das novas fases que estava vivendo – afinal de contas, a maioria dos adolescentes quando trabalham pela primeira vez de carteira assinada sente o gosto de liberdade financeira e a ousada impressão de ser gente adulta – mas, era uma revelação à amiga, quase namorada, a qual o deixara inibido sem força para falar. Amiga, por que era assim que costumava tratá-la. Eram super compatíveis, tinham as mesmas preferências e maluquices, fãs da área de exatas, assistiam seriados americanos, ligavam um para o outro, todos os dias para no mínimo dialogarem sobre as rotinas pessoais. Ela contava seus segredos, medos e sonhos para ele. O mesmo ouvia-a, aconselhava-a com tom passivo e intelectual, de vez em quando simulava chorar só para denotar cumplicidade nas horas difíceis. Opinava sobre as vestes que combinavam e ornamentavam a beleza dela, falava mal do cabelo e até das fotos do Orkut, principalmente as que ele estava presente, fazendo juntos caras e bocas, bicos e poses. Amigos, irmãos, fingiam até serem namorados um do outro só para espantar os pombos sujos dela e as desesperadas dele. Uma união confusa, pois muitos diziam para ele que "ambos namoravam mesmo" e não revelava o segredo para “comer calado”. Da parte dela, as mais chegadas botavam defeito nele, só porque não tinha um corpo atlético como de alguns meninos do Terceiro ano, usava um óculos bizarro e o que o salvava era o cabelo liso jogado na testa, os olhos castanhos claros, tirando as espinhas acentuadas do rosto. Mas, ela não o via desse jeito, a aparência estética, e sim a parte de dentro que o  embelezava. Divertido, inteligente, sagaz, contador de histórias dos seriados das mais intrigantes até as curiosas edições, aquele jovem era especial no conceito dela. Ouvia os comentários das amigas e não se importava. Ele não gostava como os colegas maliciosamente inferiam sobre o suposto namoro escondido que o mantinha para o circulo de amizade. Mas, no fundo do mais profundo do ser daquele jovem, havia um sentimento por ela indecifrável, confuso, bom, mas perigoso. Todos os dias se comunicavam pelo telefone, ou MSN, ou Orkut, ou facebook, enfim, era impossível ficar sem saber um do outro.
De manhã, antes de levantar da cama, aquele jovem acordou estranho. Sonhou com ela, beijando-a. Parecia real, mas doce ilusão do sonho.
- Afff... Sonhos são sonhos! – Desiludido resmungou.
Foi para o colégio, faltavam cinco minutos para bater o sinal, ele a vê, acena de longe, ela reciprocamente faz o mesmo gesto. De repente, uma louca vontade de falar do sonho. Pensa infinitas vezes se ia ou não. Foi.
- Oi! Tudo bem?!
- Sim! E você?
- Mais ou menos... É que preciso falar com você.
- Estou atrasada, pode ser durante o intervalo?
- Pode... Não! Não vou conseguir esperar tanto tempo para lhe conta o que aconteceu... Preciso da sua ajuda!
- Vixi... Calma... O que houve de tão sério!?
-Não sei se você vai me entender, mas...
- Fala menino, oxe, oxe... Deixa de bestagem! – Ela sorriu desapercebidamente do tom de seriedade dele.
Ele riu com um jeito sem graça. Olhou para as colegas que esperavam atrás dela. Encantado com o sorriso dela queria parar o tempo só para estar pertinho da sua: “amiga ou nova paixão?” – Indagou-se.
- Sabe de uma!? Nada não, depois falo contigo... Foi mal ter tomado seu tempo!
Ela deu gargalhadas, abraçou-o e disse:
- De manhã cedo você vem e me assusta e anima assim espontaneamente?! Você é de mais! Te amo amigo... Depois a gente se fala.
Ele a vê, correndo para dentro do colégio, contemplando-a, a única imagem que restara daquele momento: um sorriso perfeito de aparelho daquela loirinha quase namorada. Bate o sino do primeiro horário, aquele rapaz descobriu que não será mais o mesmo depois daquele sonho.



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De seis às horas

Era o despertador estridentemente gritando no meu pé de ouvido. Deitado, encoberto dos pés a cabeça, tentei relembrar como finalizara aquele sonho. Meus olhos nem se quer se abriram, eram pesados de mais para tal façanha naquele momento. Meu corpo foi atraído pelo cheiro de minha cama, pela temperatura cevada durante uma boa noite de sono e sem falar do travesseiro de penas que estava entre minhas pernas e não debaixo de minha cabeça. Invadindo meu cafôfo, despontou da janela um feixe de luz em todo o edredom com o qual me encobrira,  não era mais noite. Nascia o dia, exuberante, calmo, sem alardeios, ocupando sua majestade paulatinamente. Enquanto o sol tomava forma no céu, a pequena cidade de Jequié se movimentava. Não era mais o barulho do despertador que clamava aos meus ouvidos, e sim a zuada de cidade grande que me ensurdecia.  A sinfonia do cântico dos pássaros foi superada pelos sons produzidos pela descarga de motos e buzina de automóveis. Tirei a coberta, fiquei sem coberta, boquiaberto, respiração forte, papo para cima, gosto estranho na boca, hálito estranho da boca. Não tive forças para abrir os olhos, pensei em tantas coisas. O travesseiro jogado ao chão, distante um pouquinho da cabeceira da cama, empoeirando-se, foi renegado por mim. Mais uma vez, toca o despertador. Desligo-o. Tento recuperar o sono. Será que se foi embora? Enfim, os meus olhos se abrem tímidos, cautelosamente, seis da manhã. Pensei que fossem oito horas da manhã. Meu corpo não se verticalizava como de costume, não o queria assim, porque não dormir mais um pouquinho? Assim pensei, mas tentei não me obedecer. Meu pensamento estava vivo, pensando em si mesmo, não fantasiando como foi durante o sono. Levantar da cama, tomar banho, escovar os dentes, tomar café, arrumar o quarto, arrumar-se, escolher uma boa roupa, aquela que combina ou a mais simples. Meu pensamento pensava assim, minha rotina mental, mas meu circuito de idéias criativas estava fechado ainda. Sentado na cama meio corcunda, sonolento, olhos abertos a meio palmo, bocejando, espreguiçando-me, desaprovando aquele gosto pós sono, coçando-me, alisando com as unhas os pelos iniciais da barba, cabelo bagunçado, sendo mais bagunçado como as minhas duas mãos. De repente, declino-me para o lado, fecho os olhos, tiro os pés do chão e estiro-os em cima da cama, faço dos meus braços o travesseiro, não me importando com o desconforto. O sono veio como anestesia, seduziu-me, apagou-me, acendeu-me, viajei em outros mundos. Eu corria, não sabia para onde. Avistei um poço, precisava matar minha sede. Depois disso, continuei correndo, aflito, sem cansar. Cheguei numa casa, a única da cidade, aliás, no meio da cidade, abandonada, tanto a casa como a cidade. Aproximei-me, olhei para todos os lados rapidamente, bati na porta. Ninguém atendeu. A porta abriu sozinha, entrei, fechou sozinha. Não tive medo, a casa não estava totalmente escura, havia uma cama, um travesseiro, um lençol, um criado mudo do lado da cabeceira da cama, um despertador. Sentei ofegante, cansado, fechando os olhos e abrindo lentamente, despenquei para o lado, experimentei o conforto, coloquei os pés em cima da cama, estendi as pernas, dormir. Acordei com o barulho estridente do despertado. Oito horas da manhã.
Meu Deus! Não acredito...
Atrasei-me de novo!
 
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