quarta-feira, 22 de junho de 2011

Na Praça do Salvador


Praça pequena e bem iluminada, posto policial, estacionamento privativo, ponto de ônibus, banheiros públicos, árvores frondosas e altas, flores diversas no jardim, quiosques ornamentados, duas crianças correndo em volta do banco de madeira, um mendigo procurando algo no chão, um casal encostado no orelhão, uma senhora esperando o ônibus, roda de amigos proseando, dois operários tomando pinga no Quiosque do Negão, uma mulher fumando cigarro, um jovenzinho passando com sua caixa de engraxate, era noite. Pensamentos desconexos avolumavam-se na mente. Ideias distintas e distantes demoravam de se evidenciarem. Eram muitas informações. Observara cuidadosamente tudo e todos ao seu redor e nenhuma iniciativa.
De repente...
Sentado em um dos bancos da Praça do Salvador, reinaugurada no início do mês, Alan Cortez, estudante de Direito, com seu caderno de anotações, não conseguia iniciar uma produção textual, até que um jovenzinho engraxate se aproximou. Propaganda pintada com letras desarranjadas na caixa de engraxate revelava a necessidade de escolarização do dono dela. Calça jeans surrada, chinelos de couro, camisa escolar com mangas rasgadas, fazendo batuque na caixa do ganha-pão, o engraxate pergunta-lhe:
- Ei chefia! Vamo dá um grau no pisante?
 Desconfiado, sente-se ameçado, repensa, desamedronta-se e aceita a proposta. “Não deve ser nada além do que um engraxate” – Pensou Alan consigo mesmo.
- Você acha que precisa de um “grau”?!
- Craro chefia! Vou deixa no capricho pro Sinhô, meu patrão!
Predispôs-se, ajoelhando  em cima dos chinelos, colocando a caixa entre os joelhos, levantando a bainha da calça do cliente, passando a flanela no sapato, reconheceu a marca do sapato social. “Que sapato maneiro! Queria um desses.” – Pensa e anseia o engraxate.
E assim, Alan, perpicaz, encontra um tema para a sua dissertação: “O canto dos excluídos”. Introduz - “Fazemos parte de uma sociedade que escuta, por mais que não queira, o canto dos excluídos. Estes estão por toda parte, fazem ecoar as instabilidades em que vivem, encarando os desafios de não ser levado à margem da sociedade” -  olha e reler a introdução, sente-se convencido. Enquanto o sapato nas mãos do engraxate recebia o trato devido, curiosamente Alan pergunta:
- Estuda?
- Não. Só trabaiu.
- Nunca estudou?
- Tava freqüentando a escola de noite, mas tive que larga!
- Por quê?
- Doutor, Pra quê estudar, se não tenho o que comer?
Alan silenciou. O olhar daquele menino era frio e decaído, e triste, olhar calado.
- Pronto doutor!
- Quanto foi?
- Me dá dois conto, então tá bom!
- Dou-lhe três contos pelo bom serviço.
Fechou a caixa, levantou-se, colocou-a no ombro, guardou o dinheiro, pensou o engraxate:
 – Para quê perguntar, se não vai mudar em nada na minha vida? Granfinos!
Levantou-se da cadeira, fechou o caderno de anotações, levou consigo aquele olhar calado, e triste, decaído, e frio se mergulha no mundo introspectivo do ser.
- Para que perguntei àquele jovem se estudava ou não? Vou eu dar jeito na vida dele? Pobre engraxate, miserável sistema excludente, humanidade desgraçada que se desumaniza mais e mais por falta de consciência coletiva para uma sociedade justa.
Em lados opostos caminham Alan e o engraxate. Opostos na forma de viver, na forma de sonhar, na forma de pensar, na forma de se formar diante das realdidades.
E, assim, aquela praça pequena e bem iluminada, aquele posto policial, o estacionamento privativo, o ponto de ônibus, aqueles banheiros públicos, aquelas árvores frondosas e altas, aquelas flores diversas no jardim, aqueles quiosques ornamentados, não eram como um cenário interpretado e vivido diferentemente por todos que o frequentavam?




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